Mais de dois séculos de raízes nativas da Mata Atlântica abraçando a terra, firmando pacto com a vida que brotava ao seu redor — ninhos em seus galhos, plantas aéreas em seu tronco, sombras que acolhiam os cansaços do mundo. A seiva que corria em seu tronco era um rio de tempo, memória entranhada nas fibras que sustentavam o céu. Agora, seu corpo jaz ao chão, despedaçado em partes incontáveis, tombado pela mão de um mundo que esqueceu que todo ser vivo merece cuidado.
Quem decretou que uma árvore é menos do que outro corpo que pulsa? Que sua queda não merece luto?

Eu acredito que elas são nossas aliadas na luta pela sobrevivência diária, são nossas irmãs, são nossas mães e avós. Árvore é um ser que VIVE, que resiste, que oferece, que recebe, e que entre tantas outras milhões de coisas que um ser com vida faz, ama à sua maneira.

Duzentos anos em pé e nenhuma pressa, apenas a sabedoria de quem sabe que viver é estender-se ao infinito, sem resistir ao vento, mas curvando-se com ele. Seu corpo é um testemunho de como se atravessa o tempo sem ferir, sem dominar, apenas sendo parte, em um acordo silencioso com a Terra.

Ela não era apenas um monumento vivo, mas uma mestra ensinando que existir é um compromisso de escuta, troca e entrega. Que inteireza não se mede em poder, mas na capacidade de permanecer em harmonia com tudo que também vive.

Perdê-la é perder um pedaço do mundo, um elo sagrado entre o tempo e a terra. E o luto, por mais invisível que seja para olhos endurecidos, é o que nos resta para lembrar que somos feitos do mesmo pó, da mesma seiva, da mesma vontade de existir

Esse é um registro/manifesto, simbólico e bem objetivo, do meu Luto pela Chichá do Largo do Arouche, e por todas as árvores que tombaram e tombarão por falta de cuidado, respeito e comprometimento com a vida.